noturno

descreva-te, lenta e obstinadamente,
em apropriadas e bem manejadas
grafias, enquanto idealizo
tuas palavras na saborosa forma
como deveriam ser possuídas.

recorro ao canto mais fresco do dia
para conferir o catálogo das elegantes filosofias
que me ofertas a preços generosos,
quiçá por deduzires, acertadamente,
que minhas estantes estejam assaz vazias,
como de resto tudo nesta vida,
dos arquivos dos versos
ao baú dos instintos,
despojos do butim violento e indecente
produzido sob teu olhar felino.

comprima-me em vossas tão formosas linhas:
congelante abraço da distância!

abafe minha cela com vosso
floral aroma recitado!

em breve o sol anunciará
mais uma manhã de estio
e o teatro da natureza
estenderá seus cenários
à farsa dos viventes,
flagrando o meu vagar imprudente
naquela mesma estrada pedregosa
em que pereceram, calcinados,
bilhões e bilhões de amores.