saudade

semente de ventura em terra ressequida
a escorrer pelas mãos
como areia duma ampulheta partida.

eis o tempo a fugir com a vida,
desprezando ao largo distraídas esperanças
que não encontrarão outro canteiro
senão a argila dum coveiro.

genuflexo,
grave,
o humano espera ansiosamente
a justiça,
a graça,
a eternidade,
enquanto cria ferramentas,
templos,
tradições,
algemas dos dias,
âncoras das revoluções.

rasteja, pois,
extorquindo a si mesmo,
depositando a razão
no altar da agonia.

crime hediondo:
denúncia cruel.
santa mentira:
rogai por nós.

que não lhe falte amor
— amém! —
essa pílula estupefaciente
que bagunça o metrônomo da lucidez
e prende a morte em camisa de força
até que a lápide um dia
publique a desejosa sentença
de tão custosa e fugidia
transcendência.